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segunda-feira, 31 de março de 2014

IMPLÍCITO



IMPLÍCITO



Caio, levanto
sigo,
no tranco,
levanto, caio.

Os tombos me fazem feridas
feridas que se abrem
doem, rasgam a carne
corroem a alma,
sangram.

Sangram, espancam
adoecem corpo e mente,
mas eis que, de repente,
algo implícito se lança,
se apresenta
e me defende,
e minhas lutas enfrenta,
e minhas feridas estanca.

E uma cicatriz se cria
a marca fica,
a linha fina,
branca, transparente,
é quando então outro vento,
vindo de um deserto incerto,
violenta o batente,
e me enlaça de frente,
caio, tonteio, me agarro,
me espanto,
e então te vejo,
te sinto,
levanto,
estranha,
e novamente.


@Cristina Lebre – 30.03.14
Código em Recanto das Letras T4751632



domingo, 23 de março de 2014

CHOVE



Chove
é dia cinzento
minha cadelinha lambe-me a face
e, sentindo o seu carinho,
ouço o Deus trino
me sussurrando no ouvido
“te amo,  assim como ela,
em todo o momento.”

Chove
e de meus olhos também chovem lágrimas
ao pensar a dor do mundo
a dor do infante abandonado
da mãe assassinada
do réu inocente
do filho carente
dos animais torturados
das crianças expulsas de seus lares pelas guerras
do sangue puro derramado
das árvores abatidas,
dos famintos, dos drogados,
dos excluídos, dos que não têm casa,
pela sede do poder
que seduz o homem,
sempre,  a qualquer preço, sorvida,
mas nunca saciada.

Chove
Tenta-me a vontade de não viver este dia
de apenas sofrer este dia
de apenas tecer palavras
pra buscar costurar minh’alma
da acre treva que nela se invade.

Chove, e ainda que haja sol por trás das nuvens
ignoro-o, deixo-me fruir, e intuir alentos,
em meio à chaga turva de tormentos,
das incessantes lutas, 
dos sussurros de lamentos.

Abandono-me no quarto fechado
acarinhando o dorso de minha cadelinha felpuda
fiel companheira, negreira,
e, em silêncio,
ficamos aqui, juntinhas,
ouvindo os pingos na janela
namorando e chorando a violência da vida dura
da tempestade que cai para justos e injustos
procurando um instante de paz
nós e Deus, sozinhas.


@Cristina Lebre – 23.03.14
Código em Recanto das Letras T4740930



sexta-feira, 7 de março de 2014

A LÁGRIMA



A LÁGRIMA

A lágrima
pranteia e cai,
acalma,
lava
a angustiada alma,
cálida.

Tempera, gota salgada,
a face mansa,
em sua memória triste,
inglória,
água que escorre dos olhos,
avança,
rola, pinga,
no chão das lembranças
ácidas,
ávidas.

Ataviadas em nuvens molhadas,
chovem as lágrimas,
e encharcam,
e adornam,
de cada um, a própria estrada,
até então empoeirada,
pela secura da dor calada,
mas pelo pranto, solícito,
agora,
aliviada.


@Cristina Lebre – 07.03.14
Código em Recanto das Letras – T4719223



segunda-feira, 3 de março de 2014

A PLANTA



A PLANTA


A planta seca
pranteia sem lágrimas, sofre,
ante o sol escaldante
me olha e clama
" me molhe".

Rego a planta que me comove
pois que, de minha face,
não há calor que seque as lágrimas,
ao ver na planta a sequidão a pesá-la
chegando até a ameaçá-la
de morte.

Não fosse morar em minha varanda sua sorte
e ter Deus me dado a sensibilidade de pensar seu corte
em uma única folha abrasada no sol forte
de onde a tirei, e a molhei com água,
estaria ainda ameaçada,
como em tantas casas, outras,
sofrem nuas,
a beleza esturricada
cruelmente espicaçada
pela sede não saciada,
por famílias viajadas
completamente esquecidas
de que planta também é vida.

A planta seca
ante o calor que a abrasa
mas quanto mais calor exala
mais inspira o poeta
que rega suas folhas, ainda verdes
e renega suas dores de secura
e alivia-lhe o sofrimento
e evita-lhe a fervura.

Ela me olha
como criança abandonada
andrajosa na lama
da impiedade humana.

Ela grita
"me regue",
enquanto o cão abatido
pela rejeição consumido,
com o olhar implora
"não me renegue".

A planta, a criança, o cão,
minorias que aos sensíveis encantam
criação inútil ante impiedosos
oprimidos que enfadam poderosos
criação que honra os defeituosos
geme, chora,
agoniza, enquanto exala,
amor.



@Cristina Lebre - 06/01/14
Código em Recanto das Letras T 4640786