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terça-feira, 17 de junho de 2014

PARA DUDA



Atravesso a sala em direção ao quarto
ato contínuo, viro os olhos para a varanda,
ela não precisa mais ficar entreaberta
pra você passar
e suas necessidades ir lá fazer.
Por isso também não temos mais que limpá-la
todas as manhãs,
não há mais nela nenhum vestígio
da passagem de um cãozinho.

Ao sairmos, não precisamos mais fechar a porta
do banheiro social
com todas as latas de lixo lá dentro
pois não há mais você pra nelas se enfiar
e tirar papel higiênico, fio dental,
o que mais houver,
e levar tudo pro tapete embaixo da mesa da sala,
e eu dar uma bronca amorosa em você ao chegar.
Podemos deixar todas as portas abertas
não há mais você para a casa bagunçar.

Também não precisamos mais
deixar a luz da cozinha acesa
se somente à noite formos retornar,
pra você não ficar no "iculo";
o escuro continua aqui
mas você não,
você está em lugar seguro.

Talvez sobre algum dinheiro no final do mês
pois não há mais despesas com você
nem ração, nem remédios, ossinhos, brinquedos,
banhos, shampoos...
talvez a despesa diminua.

Certamente também não tenho mais que ver seu olhar pidão
implorando-me pra ir à rua,
mas pra quê?
Pra quê, se a solidão, sem você,
somente se acentua?

Agora posso, em qualquer fim de semana, viajar
sem me preocupar em encontrar
uma pousada que aceite cãezinhos.
Agora posso ir pra qualquer lugar,
dormir fora,sem pensar,
que há uma cadelinha
a me esperar.

Mas uma pergunta me vem à língua:
pra quê?

De que serve eu não precisar mais tirar 15 minutos do meu dia
pra levar você pra passear?
De que serve essa liberdade pífia
se não tenho mais você pra abraçar, me enroscar,
deixar você me lamber?

Se não tenho mais você pra dublar,
falar com você
falar por você,
ler nos seus olhos o desejo, a alegria,
correr com você o quarteirão,
e ver suas patinhas a se misturar
e olhar pra você, enquanto você dispara e me olha
até de cansaço ouvir seu arfar?

Agora não precisamos mais limpar a cozinha
que ficava toda molhada, quando você bebia água,
e saía pela sala babando tudo.

Agora a sala vai ficar limpinha, sequinha,
cada cantinho dos quartos, da cozinha
vai brilhar pois, doravante,
qualquer produto de limpeza podemos comprar
porque você, que tinha alergia a "Veja",
não ocupa mais, neste apartamento,
que de repente ficou imenso,
nenhum lugar.

Mas em nossos corações,
batendo descompassados
abriu-se em um buraco  enorme
de saudade e desalento
que noite e dia,
nossa inconformidade enfrenta,
e que sempre há de nos fazer chorar
mesmo quando o ferimento
cicatrizar.

Enquanto a rotina de nossa casa muda
e o espaço físico aumenta,
a tristeza de sua precoce partida,
uma dor sangrenta,
que só o tempo aplaca,
inventa.


@Cristina Lebre - 16.06.14
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